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6/7 – Santa Maria Goretti, Virgem

A história de Santa Maria Goretti mostra como, na primeira metade do século xx, as pessoas eram coerentes e sérias na sua fé. Trata-se de uma menina de apenas 11 anos que preferiu morrer a pecar, e que converteu o seu assassino; este tornou-se religioso, foi perdoado pela mãe da vítima e recebeu a sagrada comunhão ao lado dela. Tudo isto traduz uma coerência na fé e na piedade muito rara nos nossos dias.

No dia 24 de Junho de 1950, o Papa Pio XII deparou com um problema singular: tinha planeado celebrar a canonização de Maria Goretti na Basílica de São Pedro, mas o número de pessoas que afluíram à cerimónia ultrapassava a capacidade do templo: eram cerca de 500.000, a maior concentração na história de Roma até então. O resultado foi celebrá-la, pela primeira vez numa canonização, do lado de fora.

O que levou tanta gente a querer assistir a esta canonização? Possivelmente, foram os pormenores da vida e da morte de Maria Goretti que maravilharam Itália e todo o mundo católico.

Terceira dos seis filhos de uma família empobrecida, Maria Goretti nasceu em Corinaldo (Itália), no ano de 1890.

Em 1899, seu pai, Luís Goretti, mudou-se com a família para Le Ferriere di Conca, a fim de trabalhar como meeiro em troca de trabalho agrícola. Os Goretti passaram a compartilhar com os Serenelli — um viúvo de nome Giovanni e seu filho Alessandro — um prédio abandonado da propriedade, ocupando estes últimos o andar superior enquanto os Goretti ficavam no andar de baixo.

Tanto uns como outros tiravam o seu sustento do árduo trabalho no campo, cuja terra era muito pobre, meio pantanosa, infectada de insectos e muito dura de trabalhar. Certo dia, no ano de 1900, Luís Goretti foi picado por um insecto portador do vírus da malária, vindo a falecer tragicamente 11 dias depois.

O facto de Maria, então com 9 anos, ser a mais velha dos irmãos levou sua mãe Assunta — que teve de substituir o marido no campo — a entregar-lhe todos os afazeres domésticos. Assim, ela passou a cozinhar, a fazer limpezas, a lavar roupa e a cuidar dos irmãos. Para além de cozinhar para os Serenelli e de cuidar da limpeza do andar dos vizinhos.

Apesar de todos os trabalhos e cuidados, e de não saber ler nem escrever, Maria era uma criança piedosa: ia à Missa sempre que podia, aprendeu o catecismo e recebeu a Primeira Comunhão com grande reverência na festa de Corpus Christi de 1901.

Sua mãe diria mais tarde a respeito da filha: “Não era vaidosa, não ambicionava vestidos novos. Procurava que os irmãos estivessem cobertos e compostos, e ela própria guardava grande modéstia. Aborrecia palavras e conversas contrárias à honestidade.”

Alessandro, uma vez convertido, por sua vez declarou: “Seguindo as pegadas da mãe, era modesta, usava vestidos compridos, fugia de certas jovens levianas, não se fixava em jornais ou revistas com gravuras indecentes. Era verdadeiramente um anjo, inocente como uma pomba, e tão piedosa, tão boa, tão serviçal em casa: era uma rapariga modelo”.

Pelo contrário, Alessandro era um rapaz rude, sem nenhuma formação religiosa. Sua mãe tinha morrido num hospital psiquiátrico quando ele ainda era bebé, e seu pai era alcoólico, sendo ele próprio dado à bebida.

Como era muito impuro, fazia propostas indecentes a Maria quando a encontrava sozinha. Ao que ela — cujo grande amor de Deus fazia com que detestasse o procedimento vil e as sugestões torpes do rapaz — sempre lhe retorquia: “Não, nunca, isso é pecado! Deus proíbe tal coisa, e iríamos para o inferno”.

Por que razão não contava ela à mãe as investidas lúbricas do rapaz? Por um lado, por não querer preocupá-la; por outro, porque Alessandro ajudava a mãe nos trabalhos mais difíceis do campo. E também porque, se o fizesse, a família não teria para onde ir. Preferia então calar-se e confiar em Deus.

Finalmente, no dia 5 de julho de 1902, enquanto Maria costurava uma camisa de Alessandro e cuidava de uma irmã mais nova, ele apareceu sob um pretexto qualquer, entrou na cozinha e fechou a porta. Aproximou-se então da jovem com uma peça de ferro pontiaguda e ameaçou-a de morte, caso ela não cedesse aos seus desejos impuros.

Maria gritou: “Não! Isso é pecado! Deus não quer!” O rapaz quis forçá-la, e ela reagiu e lutou com ele, dizendo que preferia morrer a pecar. Furioso, Alessandro apunhalou-a nove vezes. No meio da aflição e das dores, a inocente mártir continuou a compor as vestes, resguardando a sua pureza.

Julgando-a morta, o algoz retirou-se. Maria conseguiu entreabrir a porta e gritar, pedindo ajuda ao pai de Alessandro. O assassino então voltou atrás e desferiu-lhe mais cinco punhaladas. Depois fechou a porta e saiu, deixando a sua inocente vítima de 11 anos prostrada sobre uma poça de sangue, a gemer: “Meu Deus! Meu Deus! Mãezinha, mãezinha”.

Teresita — uma das suas irmãs, que era ainda de berço — começou então a chorar desesperadamente, fazendo com que o pai de Alessandro acudisse e encontrasse a mártir a esvair-se no seu próprio sangue.

Enquanto Maria era levada à pressa para o hospital de Nettuno, Alessandro, de 20 anos, ia para a cadeia, onde ficaria durante 28 anos.

Chegando ao hospital, conquanto ela pedisse insistentemente água pela terrível sede decorrente da perda de sangue, não podiam dar-lha por causa das chagas que tinha no corpo. Antes do início da arriscada operação, o pároco foi chamado para lhe ministrar a extrema unção. Mostrando-lhe um crucifixo, o sacerdote disse à criança que Jesus também sofrera sede na cruz, e perguntou-lhe se não queria oferecer-Lhe a sua sede pela salvação dos pecadores. A menina aceitou e não mais pediu água.

Antes de receber o sagrado viático, o sacerdote perguntou-lhe: “Mariazinha, perdoas de todo coração ao teu assassino?” Ela respondeu: “Sim, por amor de Jesus perdoo-lhe. E também quero que ele esteja no Céu comigo”.

Os médicos deram então início à operação. Eram 14 feridas, 9 das quais perfurantes. Como a menina estava muito fraca, não usaram anestesia. Maria estava inteiramente consciente quando cada uma das feridas foi aberta para ser suturada por dentro. Apesar das dores, não chorou, e sofreu a sua agonia com perfeita paciência, oferecendo-a a Deus.

Às 4 horas da tarde do dia 6 de Julho de 1902, com 12 anos incompletos, Maria Goretti entregou a sua alma virginal ao seu Criador, por cujo amor preferira a morte à ofensa.

Por sua vez, a corajosa mãe da mártir, além da dilacerante dor de ver a filha morrer tão cruelmente, teve uma pungente dor adicional: uma semana depois, não dispondo de mais ninguém que lhe cuidasse dos filhos enquanto trabalhava no campo, não teve outro remédio senão entregá-los para adopção.

Na prisão, Alessandro mostrou-se tão agressivo e revoltado, que teve de ser colocado numa solitária. Seis anos depois, contudo, Maria Goretti apareceu-lhe em sonhos e, sem dizer uma só palavra, entregou-lhe 14 alvos lírios, símbolo da pureza. Cada lírio representava uma das suas punhaladas.

O assassino compreendeu por esse sonho que Maria lhe havia perdoado o crime e estava no Céu. Comovido, sentiu grande arrependimento, seguido de uma milagrosa conversão. Pediu então que chamassem o bispo encarregado da prisão, a quem confessou os seus crimes e pecados. Pagou o resto da sentença como prisioneiro modelo, razão pela qual foi libertado três anos antes do fim da pena.

Uma vez posto em liberdade, Alessandro foi procurar Assunta, a mãe da sua vítima. Era véspera de Natal. Queria saber se ela ainda o reconhecia. Sim, reconheceu-o como o homem que lhe matara a filha e lhe destruíra a família. Alessandro então pediu-lhe perdão.

A resposta dessa mãe verdadeiramente católica foi: “Se Maria, a minha filha, lhe perdoa, e Deus lhe perdoou, como posso eu não lhe perdoar?” Foram os dois à Missa de Natal, durante a qual receberam a comunhão de joelhos, lado a lado. Alessandro fez mais: confessou o seu pecado na igreja, diante dos fiéis, aos quais também pediu perdão.

No longo período que passou na prisão, Alessandro teve tempo para pensar no mal que fizera e para se arrepender. Uma vez cumprida a pena, recolheu-se num convento dos Padres Capuchinhos, onde faleceu em 1970, aos 88 anos. Em 1962, escreveu o seu testamento espiritual.

A causa de beatificação de Maria Goretti foi aberta em 1935, com o próprio Alessandro a testemunhar a sua santidade e a sua intercessão. A jovem foi beatificada em 1947 por Pio XII, com sua mãe presente: “Quando vi chegar o Papa, rezei: ‘Madonna, por favor, ajudai-me’. Ele pôs-me a mão na cabeça e disse: ‘Bendita mãe, feliz mãe, mãe de uma beata’”.

Três anos depois, Maria Goretti era canonizada pelo mesmo Papa, outra vez com a presença de Alessandro Serenelli, de Assunta Goretti e dos seus quatro filhos que ainda viviam.

Os restos mortais de Santa Maria Goretti estão num relicário, envoltos numa imagem de cera com os seus traços, na Basílica de Santa Maria Goretti, uma igreja construída junto ao mar, em Nettuno, Itália, perto do local onde ela viveu e morreu.


Foto: DR

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