Há na cidade de Santa Fé, no estado do Novo México, EUA, uma capela conhecida como Capela de Loreto, na qual se destaca uma bela e despretensiosa escada.
A piedade tradicional atribui a construção desta escada a S. José.
Mas quem a fez? Como a fez? Ninguém consegue decifrar o mistério da «escada milagrosa».
Em 1898, a capela foi restaurada: foi construído um novo piso, mas faltava uma escada para aceder ao mesmo.
As religiosas consultaram os carpinteiros da região, e todos opinaram que seria difícil fazer uma escada numa capela tão pequena.
Então, as religiosas rezaram uma novena a S. José, pedindo-lhe uma solução para aquela dificuldade.
No último dia da novena, apareceu na capela um homem com um jumento e uma caixa de ferramentas. O homem aceitou fazer a escada, mas exigiu que as portas da capela permanecessem fechadas.
Meses depois, a escada ficou concluída, de acordo com os desejos das religiosas. Mas, quando estas quiseram pagar-lhe o serviço, o homem desapareceu sem deixar vestígios.
As religiosas puseram anúncios no jornal local e procuraram-no por toda a região, mas não conseguiram encontrar quaisquer notícias ou informações sobre o ignoto carpinteiro.
Perceberam então que o homem podia ser S. José, enviado por Jesus
Há vários elementos que reforçam a aura de piedoso mistério que envolve a construção desta escada:
A madeira utilizada não é da região, e ninguém sabe como foi ali parar.
O carpinteiro não utilizou pregos na construção, mas apenas pinos de madeira.
Por outro lado, é um mistério que a escada se mantenha de pé, pois é em caracol e não tem qualquer apoio central. Posteriormente, foi acrescentado um apoio colateral metálico, mas que não reduz a incógnita. Segundo se diz, nem engenheiros nem arquitectos conseguem compreender a física em que assenta esta obra.
Por fim, a escada tem 33 degraus, a idade de Jesus Cristo, o que reforça ainda mais a suposição de que se trata de um fenómeno de origem sobrenatural.
A capela recebe, em média, 200 casamentos por ano e centenas de turistas. A escada ficou conhecida como «escada milagrosa».
Já se produziu um número considerável de artigos e programas de televisão dedicados a esta escada e aos seus mistérios. Os elementos essenciais do piedoso relato encontram-se no site oficial da capela.
As objecções de um cético
Mas também se fizeram análises fundadas no cepticismo. Uma das mais características foi a do Comité Céptico de Investigação (Committee for Skeptical Inquiry). O céptico responsável pela análise foi Joe Nickell, que é autor de um livro sintomaticamente intitulado À procura de Um Milagre, e de outros escritos que põem em dúvida realidades como o Santo Sudário de Turim, que a ciência não tem conseguido explicar.
Nickell cita uma vasta bibliografia para provar aquilo que a cultura e o bom senso já sabiam: que a técnica das escadas sem eixo é tradicional, e já era conhecida dos nossos antepassados. Simplesmente, tais escadas costumam ser frágeis, enquanto esta tem sido especialmente duradoura.
A ausência de pregos não é de espantar. Um velho marceneiro contava que, quando ele próprio apreendeu o ofício, os seus mestres faziam questão de construir peças complicadas sem usar pregos ou sequer cola.
Compreendi isto melhor alguns anos depois, num hotel da Borgonha, em França, instalado numa antiga dependência abacial construída na Idade Média, no qual o admirável vigamento que sustenta o telhado foi feito sem um único prego.
Ainda em França, voltei a ver, num pequeno castelo, outro exemplo da sabedoria dos marceneiros de outrora: todo o vigamento em que se apoiam as ardósias era feito com um jogo admirável de traves encaixadas.
Aliás, é essa técnica que explica a ousadia do gótico, num tempo que o cimento armado era desconhecido. As catedrais e outros edifícios medievais foram levantados com encaixes de pedras que travam. E nem os bombardeamentos das guerras mundiais os fizeram cair.
O céptico Joe Nickell entregou ao respeitado Centro de Anatomia da Madeira do Serviço Americano de Florestas uma amostra da madeira da escada para identificação. A resposta foi: Pinaceae, da variedade Picea. Ou, de forma mais simples, abeto, o pinheiro mais usado no Natal nos EUA.
Nickell trabalhava com base na ideia comum de milagre: um fenómeno que viola as leis da física. E, pesando todos os dados, concluiu com cepticismo que, na melhor das hipóteses, a escada não passava de um milagre parcial.
Mas esta conclusão acabou por reforçar a ideia do milagre. Pois o conceito católico de milagre é matizado.
O milagre segundo S. Tomás de Aquino
«O milagre equivale ao que causa admiração, quer dizer, àquilo que tem uma causa oculta em absoluto e para todos. Esta causa é Deus. Portanto, chamam-se milagres aquelas coisas feitas por Deus fora da ordem das causas conhecidas por nós. (…) O milagre é uma obra difícil porque excede a natureza. Pela mesma razão se diz que é insólito, porque acontece fora da ordem costumeira» (Suma Teológica, I, q. 107, art. 7).
S. Tomás divide os milagres em três categorias.
A primeira, e a mais impressionante, é a dos fenómenos que contradizem as leis da natureza; por exemplo, se o sol voltar atrás ou parar. São os milagres maiores.
A segunda categoria é a dos factos admiráveis produzidos por alguém ou algo que não tem capacidade para realizá-los; por exemplo, um santo ressuscitar um morto ou fazer andar um paralítico. Sendo o santo um ser humano, não pode fazer nenhuma destas coisas, pelo que se conclui que através dele interveio uma força superior, capaz de realizar o prodígio. E esta força só pode ser sobrenatural, angélica ou divina. São os milagres de segunda grandeza.
Por fim, a terceira categoria é a dos factos que excedem a natureza pelo modo e pela ordem com que são produzidos; por exemplo, um encadeamento de fenómenos que é inexplicável para os homens. Em si, cada elo da corrente é explicável, mas a sucessão é tão rara que, na prática, nunca acontece.
Por isso, espanta que aconteça, e é razoável falar de milagre, pois interveio uma causa sobrenatural que fez funcionar a natureza com um modo e com uma ordem que maravilha os homens. É a categoria ínfima dos milagres.
O céptico Nickell parece ter sentido algo na linha desta terceira categoria, que o levou a escrever que, na melhor das hipóteses, a escada era um milagre parcial.
No caso da «escada milagrosa» de Santa Fé, acresce um elemento que não pertence à ordem do milagre, mas que é um sinal sensível da acção da graça: a unção que companha o relato da origem da escada.