“Antigamente a família constituía um todo denso e homogêneo, que se governava com inteira independência em relação ao Estado, sob a autoridade absoluta de seu chefe natural, o pai, e na via das tradições e costumes legados por seus ancestrais….
“A concepção de família que vigorava outrora, nós não a temos mais, isto é, a concepção que possuem todos os povos que vivem e prosperam. Não se vê hoje, numa família, além da geração atual. Esta não forma mais, em nosso pensamento e mesmo na realidade, com as gerações precedentes e as subseqüentes, aquele conjunto homogêneo e solidário que atravessava os séculos, mantendo sua unidade viva.
“Em uma das conferências que pronunciou no Oratório, Mons. Isoard disse muito bem:
“A vida de um indivíduo é única, mas pode ser decomposta em três elementos, nas forças diversas de três épocas distintas. O homem tem o sentimento de já ter vivido em seu avô, em seu bisavô. O que eles pensaram, ele reencontra em si mesmo. A vida dos seus ancestrais é o começo da sua própria vida, e constitui a primeira época.
“Na segunda, o presente, a vida individual, é como o florescimento da primeira. Eu continuo a obra do meu bisavô e amplio o seu pensamento. O que ele desejava fazer, eu o faço e prolongo sua ação no mundo. Ah! eu viverei por muito tempo nesta Terra, onde já vivi tantos anos de infância em meus antepassados, de adolescência em meu pai, de maturidade em minha própria existência!
“A terceira época de vida é a que ele ama, que vigia incessantemente. Ele viverá nos seus filhos, nos seus netos, nos seus bisnetos. Seu bisavô, em relação a ele, o antevia de muito longe, e como que na bruma, enquanto trabalhava, conservava, economizava. Já ele olha da mesma forma para o futuro. Pensa, deseja, trabalha em função dos bisnetos, aqueles que estão lá longe, nos limites do horizonte.
“Desta forma, todo homem que vive num tempo em que reina o espírito de tradição é um elo intermediário entre várias gerações. Ele vive em cada uma delas, sente que sua própria vida foi preparada pelas que o precederam, e que continuarão a viver ainda por muito tempo nas que virão depois dele”.(*)
“Mons Isoard relatou uma conversa que ouvira, entre um senhor e seu colono. Este último dizia: ‘No mês passado completaram-se 347 anos desde que nós estamos convosco’. E o senhor respondeu: ‘Nós estávamos aqui bem antes de vós. Não sei ao certo quanto tempo, mas são mais de 600’. Mons. Isoard observa: “Eis aí dois homens nos quais ainda não foi comprimido e torturado um dos mais profundos, dos mais poderosos sentimentos do homem, aquele que gera o espírito de tradição. Esse espírito pode ser contrariado na sua expansão, pode ser quebrado o seu esforço por alguns momentos, mas é indestrutível, porque o homem foi feito para a vida”.